Opinião

PEC 80: é pato ou é cisne?

Eduardo MahonNessa semana, o mundo da advocacia pública foi literalmente varrido por um tsunami chamado PEC 80, de autoria do deputado mato-grossense Valtenir Pereira. Procuradores estaduais de um lado. Procuradores autárquicos e fundacionais, juntamente com os demais profissionais da advocacia pública, do outro. O ringue foi pequeno para tamanho embate. A guerra de informações (e desinformações) foi tremenda. O tema ganha especial relevo no momento em que o governo anuncia o concurso para 25 novos procuradores, medida recebida com efusiva aprovação dentro e fora do meio jurídico. De antemão, é bom ressaltar que a discussão não pode rumar para um ringue, onde haverá vencedores e vencidos. Se estamos fortalecendo a advocacia pública, de qualquer forma quem lucrará é o Estado de Mato Grosso, mais organizado, protegido e fiscalizado.

Direto ao ponto: ler a famosa PEC é obrigação de quem quer opinar. Não apenas o seu texto, como faz a maioria, mas também as suas justificativas. Toda lei tem no seu nascedouro uma justificativa, que os bons operadores do direito devem ler para conhecer a intenção do legislador. A isso se dá o pomposo nome de hermenêutica jurídica. Assim, em vez de dizer “o que é a PEC”, prefiro dizer “o que ela não é”. Ela não é um “trem da alegria”, pois em nenhum momento permite que o servidor seja “teletransportado” de um cargo para outro. Se aprovada, procurador continuará sendo procurador. Assessor jurídico continuará sendo assessor. Todos advogados públicos, pois praticam atos próprios da advocacia. Importante anotar, nessa altura, que: 1) não há previsão de equiparação salarial; 2) não há inclusão de atribuições nos cargos já existentes; 3) os advogados públicos prestaram concurso com essa finalidade, estampada desde o edital para o qual se inscreveram.

A emenda não cria despesas, vez que não se tratam de novos cargos, mas apenas sistematiza os que já têm no âmbito da advocacia pública, diferenciando os procuradores na medida que permite a estes a representação judicial e extrajudicial do ente público (Estado, município e DF), atividade vedada aos assessores jurídicos. Ademais, é essencial sublinhar, que serão considerados advogados públicos apenas os que prestaram concurso para esta finalidade específica. Não haverá “incorporação” na carreira de outros servidores que, no decurso do tempo, formaram-se em direito e obtiveram a carteira de advogado. Isso sim seria uma ilegalidade e uma imoralidade. Deixei essa posição bastante clara para muitos colegas advogados que me questionaram sobre o tema: quem quer ganhar como procurador do Estado, há de prestar concurso para procurador do Estado, como é a lógica para qualquer outro cargo – juiz, promotor, defensor, delegado etc.

O texto proposto é limpo e se limita a colocar ordem na casa, vez que o sistema atual é uma bagunça, com ações judiciais por todos os lados. Numa interpretação sistemática, a PEC reconhece que a administração pública possui duas ramificações distintas: a direta e a indireta. A direta composta pelos órgãos públicos. A indireta pelas entidades, dentre elas as autarquias e as fundações públicas, dotadas de autonomia e com corpo próprio de advogados. Portanto, a competência dos Estados, dos municípios e do DF é mantida, limitando-se a emenda apenas a organizar o que já existe (Procuradorias-Gerais, procuradores autárquicos e fundacionais e assessores/assistentes/consultores jurídicos). É uma enorme injustiça não categorizar os procuradores autárquicos e fundacionais – aqueles que defendem os órgãos em juízo, fazendo audiências, celebrando acordos, emitindo pareceres – como advogados públicos.

A emenda também tem o mérito, ainda, de corrigir uma inconstitucionalidade há muito praticada pelos Estados, qual seja, de continuar proliferando órgãos de consultoria no seio da administração direta, desvinculados das Procuradorias-Gerais, contrariando a regra de transitoriedade prevista na própria Constituição. A PEC extingue, paulatinamente, esses cargos à medida que vagarem. Ou seja, reconhece a realidade existente, não a mascara. Enfrentando de frente a questão, valoriza a classe dos advogados públicos sem o desprestígio ou a submissão que uns pretendem com os outros. Aliás, não foram eles a dar guarida a tantos escândalos contemporâneos que assistimos com preocupação no noticiário policial mato-grossense.

Demonstrado o que a PEC “não é”, faço uma sugestão para o seu aperfeiçoamento, qual seja, que se introduza uma regra que ela só vale para servidores que fizeram concurso para a advocacia pública. Desse modo, assessores/assistentes/consultores jurídicos “postiços”, que entraram pela janela, fiquem impedidos de continuar usurpando de cargo público que não lhes pertencem. Nem de fato, nem de direito. Fica aqui a dica para que o cisne venha ao mundo com a sua esplendorosa beleza. Nada contra os patos. Mas é preciso não comprar gato por lebre, ou melhor, cisne por pato. Feita essa ressalva, contribuo para o debate, ladeando-me à propositura da PEC 80. Advogado público é aquele que prestou concurso com essa especial atribuição e ponto final. Quem não se insurgiu judicialmente contra o concurso promovido pelo Estado de Mato Grosso quando fez a seleção para advogados (analistas, assessores, consultores), não venha agora desprezar uma categoria que merece respeito e reconhecimento pelo trabalho.

*EDUARDO MAHON é advogado

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