Joesley Batista tornou a JBS em uma potencia Global
Diante da hipnótica visão do cenotáfio do imperador Shah Jahan e da amada Muntaz, com sua cúpula de mármore branco erguida a 35 metros de altura, é provável que ninguém tenha dado atenção ao homem de cabelos caídos sobre a testa que circulava pelo local de mãos dadas com a jovem de sorriso largo. Naquela manhã de fevereiro de 2012, o casal celebrava seu matrimônio sob a sombra do Taj Mahal. Uma cerimônia de brincadeirinha, ainda que as fotos tenham se espalhado por diversas colunas sociais. A de verdade ocorreria apenas em outubro, quando a noiva, então, substituiu a túnica de turista usada em Agra pelo vestido Chanel desenhado por Karl Largerfeld, que, nas semanas anteriores, a fizera viajar quatro vezes a Paris exclusivamente para as provas de roupa. Poderia ser um transtorno de última hora se Ticiana Villas Boas não tivesse à disposição o jatinho particular do futuro marido, uma das benesses desfrutadas pela nubente de um dos homens mais ricos do Brasil.
Excêntrico? Deslumbrado? Perdulário? Melhor dizer que Joesley Batista, com a soma de seus defeitos e virtudes, é exemplo bem talhado de uma nova e poderosa classe do empresariado nacional. Há pouco mais de uma década, embora herdeiro de um dos mais tradicionais e prósperos frigoríficos brasileiros, Joesley Batista certamente não seria incluído em nenhuma lista dos maiores e mais poderosos empresários do País. Um pouco pelo tamanho da JBS; um pouco pelo seu próprio tamanho. Fora dos limites do setor agropecuário, Joesley era praticamente desconhecido. Àquela altura, mesmo dentro da companhia – onde começou aos 16 anos após trabalhar em um hotel, uma loja de sapatos e montar uma escola de computação com amigos –, ainda era eclipsado pela figura de seu pai, José Batista Sobrinho, o Zé Mineiro, fundador do grupo, e do irmão mais velho, José Batista Junior, o primeiro dos filhos a assumir o comando dos negócios.
Na gestão de Junior, teve início o processo de expansão e internacionalização da JBS. Era apenas o tira-gosto. O gado engordaria para valer na gestão de seu sucessor. Apetite pelo crescimento Em toda a família, e não apenas entre os herdeiros, ninguém personifica o grande salto corporativo da JBS melhor do que Joesley Batista.
Apetite pela concorrência
Sua passagem pela presidência executiva, entre 2006 e 2011, quando passou o bastão para Wesley Batista, marca a consolidação do grupo como o maior processador de carne bovina do mundo. Nesse período, a companhia mergulhou em um turbilhão de bilionárias aquisições. Em 2007, Joesley capitaneou a compra da americana Swift, por US$ 1,4 bilhão. Ainda nesse ano, fisgou 50% da italiana Inalca. Em 2009, a JBS incorporou a Pilgrim’s Pride, também dos Estados Unidos, uma operação de quase US$ 3 bilhões. No mesmo ano, adquiriu todas as unidades de abate e industrialização de carne bovina do Grupo Bertin.
Estas negociações impulsionaram a impressionante escalada dos números da JBS, que, há cerca de dois meses, atingiram seu ponto mais alto, ao menos até o momento. Em junho, com a aquisição da Seara, comprada das mãos da concorrente Marfrig, por quase R$ 6 bilhões, o frigorífico que Zé Mineiro fundou na década de 1950 ao juntar no mesmo pasto pouco mais de 60 cabeças de gado transformou-se na maior empresa privada brasileira, com faturamento anual na casa de R$ 100 bilhões. Significa dizer que, de 2007 para cá, a receita do grupo cresceu quase 600%. Hoje, a JBS soma cerca de 300 unidades de produção em 11 países e cerca de 140 mil funcionários.
Gosto pelo risco
Joesley Batista costuma dizer que a JBS é resultado da disposição de seus acionistas de correr riscos. Parte expressiva destes riscos, com o dinheiro alheio, é bom que se diga. Os críticos certamente dirão que o verdadeiro Taj Mahal do empresário não está na Índia, mas na Avenida Chile, no Rio de Janeiro. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) é uma das sete maravilhas no mundo dos Batista. Um dos grandes méritos de Joesley foi a aproximação com a agência de fomento, que valeu à JBS sua inclusão no cobiçado rol dos cavalos vencedores, leia-se as empresas eleitas pelo banco para encabeçar processos de consolidação setorial em nome da criação de grandes conglomerados de controle nacional. Ao alinhar neste páreo, a JBS passou a ter acesso a crédito farto e em condições extremamente generosas, o que acabou rendendo pesadas críticas ao BNDES, muito em razão de sua elevada posição no capital da empresa. A instituição chegou a ter 31% do grupo.
Para muitos, o banco criou um monstro que se voltou contra si próprio, percepção que ganhou ainda mais corpo após a conturbada e até hoje mal explicada capitalização da JBS em 2011. O episódio teria provocado fraturas expostas na relação entre Joesley Batista e a direção do BNDES. Mas não obstruiu a capacidade de interlocução do empresário com o Planalto. Em 2009, o BNDES subscreveu quase integralmente o lote de debêntures emitidas pela JBS para financiar a compra da Pilgrim’s Pride. Em contrapartida, Joesley Batista comprometeu-se a abrir o capital da JBS USA na Bolsa de Nova York e repassar ao banco parte das ações da subsidiária. O grupo, no entanto, desistiu do IPO (oferta inicial de ações, na sigla em inglês). Uma conveniente recusa. Por força do acordo, o BNDES se viu obrigado a converter as debêntures, aumentando sua participação na JBS de 17% para 31%. Na prática, significa dizer que a agência de fomento teve de engolir um aporte de capital na empresa de quase R$ 3,5 bilhões. Consta que, a partir de então, o relacionamento entre Joesley e a alta cúpula do BNDES nunca mais foi o mesmo, ainda que a instituição permaneça como um dos maiores acionistas da JBS.
O furor expansionista da gestão Joesley Batista também rendeu ao empresário e à JBS a pecha de predadores do mercado, em razão do fechamento de diversas das indústrias adquiridas nos últimos anos. A companhia foi acusada de comprar para matar, com o deliberado objetivo de ganhar mercado em cima do obituário alheio. Com esta prática, o grupo passou a ser visto como um abatedouro da concorrência e não exatamente como um fomentador do setor, argumento de sustentação da política de cavalos vencedores do BNDES. O fato é que a JBS alcançou um patamar nunca visto no setor. Em Mato Grosso, por exemplo, um dos maiores produtores nacionais de carne bovina, calcula-se que a empresa concentre quase metade dos abates.
Problemas tributários
Na esteira do crescimento da JBS, Joesley Batista passou a ter seu nome envolvido em episódios rumorosos. O Ministério Público Federal de Goiás denunciou o empresário por crime de sonegação de impostos e crime contra a ordem tributária. A acusação apresentava uma cifra notável: cerca de R$ 10 bilhões. Em fevereiro deste ano, o Conselho Administrativo de Defesa (Cade) anunciou a abertura de um processo para investigar a expansão da JBS, o que remete, notadamente, à gestão de Joesley Batista. A superintendência geral do Cade identificou mais de 70 aquisições e arrendamentos de frigoríficas no país que não teriam sido formalmente notificados pela empresa.
No ano passado, Joesley foi o principal mentor da enevoada operação de compra da Delta Engenharia, de Fernando Cavendish, que acabou não se concretizando. Por mais que tenha justificado o interesse estratégico do grupo em entrar na área de construção civil, o empresário não conseguiu dissipar a desconfiança de que estava apenas atendendo a um chamamento do governo para resolver o imbróglio Delta, envolvida em escândalos e denúncias de irregularidades e favorecimento em obras públicas. Ressalte-se que a JBS foi a maior doadora da campanha presidencial de Dilma Rousseff, com repasses que somaram cerca de R$ 10 milhões.
Não se sabe se há alguma relação com o noticiário constantemente contrário à JBS. Mas Joesley Batista não tem nenhum pudor em dizer que não lê jornais ou revistas e tampouco assiste à TV – espera-se que abra exceção apenas para a amada Ticiana, apresentadora da Rede Bandeirantes. O herdeiro de Zé Mineiro também não esconde suas origens. O sotaque é interiorano, mas o que chama atenção são as escorregadelas no uso da língua portuguesa.
Tais traços, associados à súbita ascensão nos últimos anos, fazem de Joesley típico representante de um certo estrato do nouveau empresariado nacional, que, com suas cifras a mais e plurais a menos, ainda provoca interjeições pouco cordiais nos espelhados prédios da Paulista ou da Faria Lima. Se ainda existe boa dose de desdém, certamente não há lugar para ele no deck do Azimut 100 Leonardo, brinquedo de quase R$ 20 milhões no qual Joesley costuma singrar os mares. Nessa nova geração de empresários nacionais, o poder também é medido em pés.
Ig