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‘Nada paga’, diz filha de Henrique Trindade sobre reparação de danos

Henrique foi assassinado com requintes de crueldade e ninguém foi punido.
Família do agricultor morto em 1982 deve receber US$ 105 mil do estado.

henriquetrindade1700Eide Ferreira da Trindade, de 48 anos, é filha do agricultor Henrique José Trindade morto de forma brutal durante a ditadura militar no Distrito de Capão Verde, no município de Alto Paraguai, a 219 km de Cuiabá. Depois de 34 anos da morte do pai, ela participou nesta terça-feira (29) de uma reunião com o governo do estado para a sanção de um projeto de lei que prevê o pagamento de US$ 105 mil a título de reparação de danos morais e materiais para ela, os outros quatro irmãos e a mulher da vítima.

Emocionada com a cerimônia, ela diz que nenhum dinheiro para vai substituir a presença do pai. “Nada paga. O dinheiro não vai cobrir o buraco que ficou na minha vida e também não compra o lugar de ninguém”, afirmou.

O pai de Eide foi morto por seis pessoas, entre elas dois policiais, supostamente a mando do então delegado de polícia que atuava na região, na década de 80, durante conflitos agrários na região. Ninguém foi punido pelo crime.

eide1“O dinheiro não vai cobrir o buraco que ficou na minha vida e não compra o lugar de ninguém” Eide Trindade

À época, a filha de Henrique tinha 11 anos de idade e presenciou a morte do pai. Ela conta que estava em casa com a madrasta e dois irmãos quando homens bateram na porta chamando pelo pai. “Mandaram meu pai vestir uma roupa e sair. Ele não obedeceu e entraram atirando. Nós vimos tudo”, lembrou.

Em seguida, segundo Eide, os homens pegaram o corpo do pai e saíram do local. “Não é fácil passar por tudo que passei naquele dia. Ainda tenho a imagem na minha cabeça”, disse. Henrique foi morto no dia 4 de setembro de 1982.  O outro filho dele, Juvenal Trindade, que na ocasião tinha 15 anos, também foi ferido.

Domiro Franco, de 58 anos, que é irmão da madrasta de Eide, participou das buscas pelo corpo de Henrique. Segundo ele, um grupo de 30 pessoas procurou pelo corpo em uma região de mata.

mirimO corpo de Henrique só foi encontrado no dia seguinte por moradores da região, a aproximadamente 1 km da residência dele. Estava com um olho arrancado, outro furado e o lábio inferior cortado. Também tinha três marcas de bala nas costas. No entanto, o laudo pericial da morte citou apenas os ferimentos causados pelos tiros.

Eide, que ainda mora na região onde tudo aconteceu, diz que ainda se lembra do momento em que viu o corpo do pai. “É até difícil de falar. Era uma menina de 11 anos vendo o pai mutilado porque resistiu às ameaças de fazendeiros”, disse em meio às lágrimas.

Segundo ela, a primeira coisa que irá fazer com o dinheiro da reparação de danos é cuidar do túmulo do pai, enterrado no Distrito de Capão Verde. O governo informou que não há prazo para o pagamento do valor, mas que o repasse deve acontecer até dezembro.

Projeto de Lei
O pagamento deve ser feito com base em um acordo firmado entre a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) e o governo de Mato Grosso para a solução do caso que tramita na CIDH desde 1998, quando o governo do estado foi denunciado por violação aos direitos humanos, em decorrência da morte do agricultor. Na época, a denúncia foi feita pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), pelo Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade (CDHHT) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Com base nesse acordo, foi elaborado um projeto de lei para que a retirada do valor de reparação da família dos cofres públicos fosse avalizada pela Assembleia Legislativa. O projeto foi aprovado em outubro deste ano. Por se tratar de um acordo internacional, o pagamento aos familiares deverá ser feito em dólar.

Segundo o projeto, Henrique era posseiro que vivia do cultivo agrícola de terras devolutas naquela região. Houve um conflito fundiário no fim da década de 80. Naquela época, foram realizadas reuniões com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-MT) e na Assembleia Legislativa a respeito dessa disputa.

Além dos US$ 15 mil a cada um deles, o governo ainda deverá conceder pensão legal vitalícia no valor de um salário mínimo à mulher de Henrique. Juvenal, que à época tinha 15 anos, deverá receber mais US$ 15 mil.

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