A cultura do “jeitinho”: pesquisa revela que 82% acham que maioria pretende tirar vantagem
O tema é de fundamental importância para todos nós. A velha e conhecida “malandragem” dos brasileiros. Tenho explorado o assunto aqui à exaustão, inclusive criando a série “Brasileiro é otário?”. O fato é que temos “malandros” demais para otários de menos, o que acaba criando um país de otários. A malandragem generalizada serve apenas para criar um caos social.
Uma das grandes vantagens do capitalismo liberal é sua impessoalidade. Os românticos lamentam a perda das nobres intenções, mas ignoram que é justamente por esse processo impessoal que o capitalismo funciona tão bem. A alternativa, como sabia Hayek, é depender de laços tribais, do relacionamento pessoal, que cria o patrimonialismo (a “coisa pública” vista como “cosa nostra”).
Imaginem o mercado de crédito, por exemplo, crucial para dar dinamismo à economia e fazer o elo entre poupadores e investidores. Como seria ele se dependesse apenas da confiança de conhecidos? Você, leitor, emprestaria dinheiro para seus familiares? Talvez, e já há riscos nisso, como estamos cansados de ver por aí. Mas será que emprestaria para o vizinho? E para um completo estranho na rua? Não? Pois é. Mas os bancos emprestam…
Para esse mecanismo funcionar direito, é preciso ter confiança. Não no próximo, mas no sistema, nas regras do jogo, no império das leis, na garantia dos contratos. É assim que se constrói uma “sociedade de confiança”, para usar a expressão que dá nome ao ótimo livro do diplomata francês Alain Peirefitte. Confiar nas regras impessoais do jogo reduz muito os custos de transação.
Tudo isso foi uma introdução para lamentar a recente pesquisa que apenas reforça o que já sabíamos: os brasileiros desconfiam de todos:
Vivemos em uma sociedade dividida entre malandros e manés? O cultuado “jeitinho brasileiro” costuma ser usado para burlar regras, furar filas, andar pelo acostamento e sempre se sair melhor do que a pessoa ao lado. Mesmo quando ela é da sua família, seu amigo, vizinho ou colega de trabalho. É o que mostra pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), feita entre 17 e 21 de setembro de 2012, e completada com dados somente divulgados no início deste ano. A percepção dos entrevistados em relação a forma de agir do brasileiro reflete o jeito com que tratamos as pessoas, mesmo as mais próximas do nosso círculo afetivo: 82% acham que a maioria age querendo tirar vantagem, enquanto só 16% dos entrevistados acham que as pessoas agem de maneira correta. Embora os dados tenham sido coletados no ano retrasado, a coordenação da pesquisa diz que um ou dois anos não interferem na alteração do nível de percepção das pessoas.
– Há certas imagens sobre o comportamento do brasileiro que permeiam as percepções das pessoas nas suas relações sociais. A ideia de que o brasileiro sempre burla normas e determinações para obter o que almeja – e essa é uma definição do jeitinho – é recorrente. Para a grande maioria dos brasileiros, a busca de atalhos, soluções facilitadas ou vantagens fazem parte do cotidiano das pessoas – explica Rachel Meneguello, cientista política da Universidade de Campinas (Unicamp).
A maioria confia na família, mas não nos outros, inclusive nos “amigos”. É o quadro de uma sociedade com desconfiança generalizada. A cultura do “jeitinho”, em simbiose com instituições capengas, acaba criando esse clima. O combate deve ser tanto no plano cultural como institucional. Uma coisa depende da outra.
Regras mais claras, isonômicas, conhecidas ex ante e aplicadas com rigor são fundamentais. Punição para quem burlar tais regras também. E, no âmbito cultural, é preciso convencer cada vez mais gente de que ser confiável e decente é bom, que não é coisa de “otário”, pois otários mesmo são os que se acham muito malandros e criam uma sociedade impraticável e inviável.
Quem costuma viajar para a Europa ou os Estados Unidos (principalmente o último), está cansado de saber como faz diferença uma sociedade de confiança. Você vai a uma loja e diz que o produto veio ruim, e eles trocam na hora! A presunção de bona fide é imediata. Já no Brasil, todos desconfiam de má fé, de tentativa de golpe, de malandragem. Quem sai perdendo com isso? Todos nós, claro!
Abandonar os preconceitos tribais e mergulhar no capitalismo liberal é o grande passo rumo ao progresso dos povos. Basta ver o atraso africano, em boa parte devido a esta mentalidade tribal tão predominante (cada tribo enxerga no aparato estatal uma oportunidade para se dar bem à custa das outras tribos, algo não muito diferente do patrimonialismo dos ibéricos importado pelo Brasil).
A saída é o capitalismo liberal sob o império das leis. Não há boa alternativa a isso, por mais que os ingênuos e românticos acreditem que basta pregar mais altruísmo e abnegação a todos. É donosso interesse criar uma sociedade mais confiável, pois ela funciona muito melhor para a imensa maioria.
Rodrigo Constantino