Após ‘acordão’ com o PSDB, estaria Dilma a caminho da saída do PT?
Por 40 votos a favor e 26 contrários, o Senado aprovou na noite desta quarta-feira (24) o projeto (PLS 131/2015) do senador José Serra (PSDB-SP) que desobriga a Petrobras de ser a operadora única e ter participação mínima de 30% na exploração da camada do pré-sal. Foi um desfecho articulado pelo Palácio do Planalto, atropelando até mesmo a bancada do PT na Casa.
“Nós estamos querendo entregar o pré-sal a preço de banana para as multinacionais do petróleo”, criticou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que disse após a votação ter “se sentido abandonado” pelo governo federal em uma área importante. Para o parlamentar, é um momento inoportuno para alterar o marco regulatório estabelecido em 2010.
Em artigo intitulado O que é isso, Dilma? e publicado na última segunda-feira (22), ao lado do economista João Sicsú no site da Carta Maior, Lindbergh apontou que as iniciativas do governo cedem cada vez mais às “elites adeptas do neoliberalismo”, e que os movimentos que a presidente Dilma Rousseff vem encampando “resultam em imobilizar ou perder aqueles que ainda estavam dispostos a ir para as ruas em sua defesa”.
Somada à aprovação do projeto que cria a Lei Antiterrorismo horas antes, na Câmara dos Deputados – está uma proposta oferecida pelo Executivo –, a atuação da presidente vem gerando não só descontentamento nos movimentos sociais, mas dentro do próprio PT, cujas bases estão justamente nestes coletivos que se sentem desprestigiados com tais iniciativas.
“É quase um rompimento explícito dela com o partido (…). Há um descasamento cada vez maior entre ela e o partido. A presidente está fazendo um movimento deliberado para sair do PT”, afirmou à colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S. Paulo, um senador petista que comentava a respeito da “reforma fiscal de longo prazo” que Dilma pretende enviar ao Congresso nas próximas semanas.
A reforma da Previdência, com sugestões como o estabelecimento de idade mínima para aposentadoria e congelamento do reajuste do salario mínimo, já enfrenta forte resistência, e é outro ponto a se somar no dilema posto entre Dilma e o PT. Antes dada como certa, a ida da presidente à festa do partido, neste sábado (27), pode nem ocorrer – no programa de TV da última terça-feira (23), o PT se focou em Lula e não colocou Dilma para falar ao País.
O avanço das investigações da Operação Lava Jato, das apurações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do processo de impeachment na Câmara só adicionam mais pólvora a uma bomba que parece longe de ser desativada, tanto por petistas quanto pelo Planalto.
‘Acordão com o PSDB’
O projeto de Serra para tirar a exclusividade do pré-sal da Petrobras foi discutido por meses, mas contava com o apoio do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). A bancada do PT na Casa era majoritariamente contrária e esperava que o assunto fosse para a votação, mas o medo da derrota fez o Planalto costurar um acordo com o relator, senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Os ministros da Casa Civil, Jaques Wagner, e da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, fecharam um acerto para garantir que a estatal tenha ao menos o direito de preferência na participação de futuras licitações. Essa era a mesma linha defendida pelo ministro de Minas e Energia, o senador licenciado pelo PMDB Eduardo Braga, que participou das negociações.
Para piorar a sensação entre os senadores do PT, a presidente Dilma Rousseff mandou sinais contraditórios a interlocutores diferentes nos últimos dias, o que na avaliação dos senadores demonstrou que ela não quis se posicionar sobre a matéria – o que exprime a ‘sensação de abandono’ mencionada por Lindbergh após a votação.
O texto acordado prevê que Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), considerando o interesse nacional, “oferecerá à Petrobras a preferência para ser o operador dos blocos a serem contratados sob o regime de partilha de produção”. A versão anterior do parecer de Jucá – questionada por senadores do PT – não garantia o direito de preferência, uma vez que dizia que o CNPE “poderá oferecer” à estatal o direito de preferência.
A Petrobras terá 30 dias para se pronunciar após ser notificada pelo conselho. Outra alteração feita por Jucá, acordada com os ministros do Planalto, diz que após a manifestação da empresa, o CNPE vai propor à Presidência da República quais blocos deverão ser operados pela empresa, indicando a participação mínima do consórcio de 30%.
Serra argumentou que seu projeto alivia a Petrobras de uma obrigação que ela não pode mais arcar, sem condições de investimento. Ele destacou as dificuldades financeiras da empresa, com uma dívida de R$ 500 bilhões, e afirmou que o objetivo é fortalecer a Petrobras. Já para Renan Calheiros, a mudança atende ao interesse nacional com o propósito de atrair investimento.
Os argumentos favoráveis ao projeto aprovado – e que será ainda mais difícil de ser derrubado por quem discorda na Câmara – possuem força se for considerado que pouco dos recursos já gerados pelo petróleo do pré-sal chegaram de fato à educação e à saúde, frustrando dois dos setores que mais preocupam os brasileiros em todo o País.
As reações após a votação foram diversas, fosse daqueles que eram favoráveis ao projeto…
“A Petrobras está quebrada financeiramente (…). A única coisa que o projeto faz é tirar a obrigatoriedade de essa empresa ter que investir em cada poço do pré-sal mais ainda, com 30%. Ninguém está entregando nada. Ninguém está levando nada embora. Tudo continua nas mãos do poder público, apenas a Petrobras não é obrigada a investir. Apenas isso. Se ela quiser, em um mês, ela manifesta sua intenção e controlará o poço” – José Serra (PSDB-SP).
“A Petrobras continua podendo participar de qualquer leilão no modelo de partilha, bem como continua operadora. O projeto só retira da empresa o ônus e dá o bônus da escolha”- Aécio Neves (PSDB-MG).
“O que nós estamos fazendo aqui é tirar a obrigatoriedade de a Petrobras participar de todos os campos, todas as operações e todas as sociedades. Abrimos o mercado, mas resguardamos o filé para a Petrobras, não estamos enfraquecendo-a, pelo contrário, dando condições para que ela efetivamente escolha o que é mais rentável” – Romero Jucá (PMDB-RR).
“Aí você obriga a Petrobras a participar de tudo, do bom, do médio e do ruim. Quando ela pode, com seu capital, participar só do bom. O projeto libera a Petrobras. Ela precisa, mais do que nunca, nesta hora, é dar oportunidade de ver a sua expertise valorizada”- José Agripino (DEM-RN).
Fosse dos que se opuseram até ele durante todo o debate.
“Vamos entregar o filé mignon por uma dívida que nós podemos administrar?” – Gleisi Hoffmann (PT-PR).
“É um projeto que quebra a Petrobras, porque, sem o pré-sal, ela não sobrevive à crise, que pode ser ultrapassada rapidamente. Sobe o preço do petróleo, vai para o patamar dos US$80, e está tudo isso resolvido”- Roberto Requião (PMDB-PR).
“O governo não tinha meu voto, agora não tem o meu respeito”- Simone Tebet (PMDB-MS).
“Só há um objetivo [do projeto]: pressionar um governo que está fraco, para fazer um leilão onde a Petrobras não vai poder entrar e eles vão entrar e pagar um preço de banana. Nós abriremos uma pressão como nunca vimos das multinacionais para que haja leilão”-Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
“A aprovação do projeto significará e significa um dos maiores retrocessos do ponto de vista dos interesses nacionais, do ponto de vista dos legítimos interesses do povo brasileiro” – Fátima Bezerra (PT-RN).
TCU quer acompanhar negociações
O Tribunal de Contas da União (TCU) quer acompanhar a negociação da revisão do contrato de cessão onerosa entre a Petrobras e o governo federal, firmado em 2010, nas áreas de Búzios, Entorno de Iara, Florim e Nordeste de Tupi, todas no pré-sal. O órgão de controle determinou que todas as atas das reuniões entre as partes sejam encaminhadas ao Tribunal. O acórdão é assinado pelo relator do processo, ministro José Múcio.
O TCU recomendou que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabeleça premissas e critérios mais firmes para viabilizar a revisão do contrato. O órgão avalia que a indefinição a respeito dos termos da revisão pode criar impasses que adiem o fechamento do acordo. O CNPE é um órgão, de assessoramento da Presidência da República. É presidido pelo Ministério de Minas e Energia e composto por oito ministros, entre eles os da Fazenda, Planejamento e Casa Civil.
A revisão do contrato de cessão onerosa estava prevista desde 2010, quando foi feita a megacapitalização da Petrobras. O Tesouro fez uma injeção de R$ 74 bilhões na companhia, que foi autorizada a explorar até 5 bilhões de barris de petróleo em áreas da União. Na época foi definido o valor de US$ 8,51 por barril da área de cessão onerosa. O acordo previa que a revisão poderia alterar o valor do contrato, o volume explorado, o prazo de vigência e os porcentuais mínimos de conteúdo local.
Até agora, a revisão não foi concluída, nem há perspectiva de que seja finalizada. Pelo contrato, as mudanças deverão ser feitas com base em laudos técnicos elaborados por entidades certificadoras independentes, a serem contratadas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e pela Petrobras.
“A conclusão principal da análise empreendida pela unidade técnica foi a de que não houve adequado estabelecimento, no contrato, de premissas claras para sua revisão, o que tem gerado divergências importantes (em referenciais técnicos, de preços e de custos) na interpretação da ANP e da Petrobras”, afirma o acórdão do TCU.
Dependendo do resultado do processo, a renegociação pode gerar despesas bilionárias para a Petrobras ou para o Tesouro Nacional, principalmente em razão da correção dos preços do barril. “Esse panorama tem como consequência o retardamento do processo, bem como o risco de que não haja a fundamentação devidamente detalhada do valor do contrato eventualmente arbitrado pelo CNPE”, diz o acórdão.
“Diante disso, tendo em vista que a mencionada revisão será submetida à apreciação prévia do CNPE, considero apropriada a proposta da secretaria de recomendar a essa entidade que supra as lacunas contratuais e defina critérios para os cálculos, evitando, assim, delonga indesejável nas discussões entre ANP e Petrobras, bem como mitigando eventuais questionamentos sobre os parâmetros adotados”, recomenda o TCU.
(Com Estadão Conteúdo e Agência Senado)