Exemplos a não serem seguidos
O Brasil nunca primou por bons exemplos, principalmente vindos das autoridades, aqueles que, em teoria, deveriam dar os exemplos, que, é claro, sempre acabam dando, mas não os bons. Pelo contrário, encontramos governantes e políticos sempre imersos em escândalos no decorrer da história, e o povo afamado pelo “jeitinho”, por sempre levar vantagem, por carregar para casa “souvenires” dos seus passeios e viagens, por não respeitarem leis.
Logo, a lição que devemos tirar dos exemplos nacionais são outra, na medida em que pouco se aprende com os bons exemplos, já que são raros e é difícil de serem seguidos, senão, pelos bons, que são poucos; devemos, portanto, nos valer dos maus, cuja lição é mais acessível, mais presente, mais próxima.
Todo dia, todo momento, toda ocasião, toda conduta dos outros adverte, aconselha, mostra o que evitar, o vergonhoso, o errado, pois que isso graça por todo lado, enquanto o bom pouco se avista. Aquilo que aborrece ou indigna impressiona e desperta mais a sensibilidade do que aquilo que agrada; não é à toa que os jornais passam mais as desgraças do que os acertos humanos.
A humanidade se corrige ao avesso, mais por desacordo do que por acordo, mais por divergência do que por semelhança, mais por antipatia do que por simpatia, mais aprende o que evitar, do que aquilo que seria mais apropriado fazer. Assim, antes que buscar lições nos bons, que são raros de serem avistados e de difícil realização para pessoas comum imitar, quando não impossível de determinar o que seja bom nas diversas circunstâncias da vida, é preciso perceber o que ser evitado para não ser odiado ou desprezado.
O lado bom do lado mal é que se percebe aquilo que nos desagrada e desagrada a todos, o que, se não impede de se realizar maldades, porém, ao menos, se pode tentar entender a faceta maldosa, e, com isso, talvez, evitá-la. Confesso que o que vi e sofri na minha educação é tudo coisa a ser evitada, nunca seguida; aprendi mais a repudiar o errado do que a amar o certo, que em boa parte das vezes parece incerto ou duvidoso. Com meu irmão mais velho aprendia com os seus castigos pelos erros cometidos, o que evitar fazer, mas pouco pude aprender com os bons exemplos dele, pois não cabiam em mim que tinha qualidades (e naturalmente defeitos) distintas.
Cresci aprendendo a apreciar mais a ser conveniente do que honesto, ser cordial do que justo, ser útil do que ser bom.
E se hoje possam achar que nem sou cordial, nem conveniente, nem útil, e minha honestidade, bondade e justiça possam ser coladas sob suspeita, o fato é que a grande lição que tiro da minha história e da história humana é que nada se aprende de certo, mas com certeza se percebe exatamente o que não se deve fazer – infelizmente, na maior parte das vezes, depois de ter cometido o erro. Nem os antigos, nem os mais velhos podem ensinar o certo apropriado para o momento, que deve buscar seu próprio caminho, procurando apenas não cometer os mesmos equívocos do passado; acertos, se houveram, já não servem para o momento atual.
Não se deve buscar tanto um comportamento bom, mas antes evitar ser mal, pois há apenas uma forma de acertar (e é difícil saber qual seja), mas infinitas de errar. É que entre o bom e o mal há toda uma gama de matizes, e se não podemos ser santos ou heróis, não precisamos por isso ser demoníacos ou canalhas, e se não conseguimos nos ater nas virtudes, podemos aprender a evitar os vícios.
E é simples, basta não fazer o que se vê fazendo por toda parte, jogando lixo aqui, roubando uma muda de planta acolá, destruindo uma placa de rua mais adiante, quebrando um vidro ainda mais à frente, ou ainda saindo sem pagar a conta, ou corrompendo alguma autoridade, ou sonegando imposto.
Enfim, antes de tentar copiar os bons, deve-se tentar não ser mau, o que contribui, e muito, para amenizar o número de maus exemplos. Naturalmente, não se deve esperar medalhas quando se evita o mal, nem quando se pratica o bem, ambos são obrigação, mas tão somente o respeito de todos – esperar, sem dúvida, mas não necessariamente contar.
De pouco vale cobrar atitude dos demais, se não se tem atitudes sobre si próprio; quando se é senhor de si não se cobra, se impõe, pois que o certo sempre agrega quando se torna público e notório.
E certo é sempre quando se mostra que se luta por si sem lutar contra os demais, não para ser bom ou mal, mas para ser feliz. Quanto ao errado, todos o conhecem, tanto que realizam clandestinamente; o certo também, pois que sempre querem pô-lo em público.
ROBERTO DE BARROS FREIRE é filósofo, doutor em Ética e Filosofia Política e em Educação e professor da UFMT