Jade e Cacau: as heroínas de quatro patas na tragédia de São Paulo
Logo após a retirada do décimo corpo dos escombros do prédio que desabou nesta terça-feira, na Zona Leste de São Paulo, Cacau, a cadela da raça labrador de um ano e meio de idade, teve seu momento de fama. Pela coleira, o cabo do Corpo de Bombeiros Gabriel Seuma a conduziu por uma fila de moradores que fizeram questão de agradecer aos bombeiros pela dedicação às 40 horas de trabalho ininterruptas em meio à tragédia resultante de uma obra irregular. “Para ela, isso tudo é uma grande brincadeira”, disse Seuma, enquanto Cacau recebia carinhos de todos os lados e era alvo de cliques feitos por câmeras de celular. O momento emocionante marcou, nesta quinta-feira, o encerramento das buscas do Corpo de Bombeiros por mortos e sobreviventes na tragédia que deixou dez mortos e mais de vinte pessoas feridas.
Cacau é um dos sete cães farejadores de salvamento do Corpo de Bombeiros que atuaram no desabamento. A cadela estreante trabalhou em parceria com uma veterana em missões de resgate, a pastor belga malinois Jade, de cinco anos, que já colocou o focinho apurado em ação para buscar vítimas no deslizamento de terra provocado pelas chuvas em Santa Catarina, em 2008, e no desabamento do teto da Igreja Universal, em Osasco, em 2009, entre outras ocorrências.
Juntas, Cacau e Jade formaram com Beck, pastora belga mallinois de três anos, o trio de cães responsável por localizar cinco das vítimas mortas no soterramento de São Mateus. Completavam o time de salvadores caninos os labradores Gugol, Milka e Hanna e o pastor belga mallinois Vasty. Com audição e faro apuradíssimos, os animais conseguiam localizar as vítimas soterradas nos locais de mais difícil acesso.
Personalidade – O status de celebridade de Cacau não lembra em nada seu passado como cão problemático. Antes de ser treinada, a cadela pertencia a um capitão do Corpo de Bombeiros de São Paulo que não aguentou sua personalidade irrequieta em casa. A energia de sobra que enlouquecia seus antigos donos é uma das principais características que fazem um cão se tornar um bom farejador. Eles precisam estar sempre prontos para a ação, o que nem sempre acontece com animais de personalidade mais preguiçosa e com mais idade. Os cães farejadores se aposentam ao completar sete anos.
Por causa de seu passado, Cacau já chegou com um nome ao canil do Corpo de Bombeiros, localizado no bairro do Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo. Geralmente, são os cabos-treinadores que escolhem o nome dos cães com os quais atuam. Jade, por exemplo, faz parte de uma longa linhagem de cadelas batizadas com nome de pedras preciosas pelo cabo Laércio Lelis, que já treinou Cristal, Safira e outras.
Durante os quase três dias de buscas feitas pelo Corpo de Bombeiros, os cães esperavam sua vez de fazer a incursão pelos escombros dentro de uma van da corporação adaptada com isolamento acústico e gavetas para transportar os animais dentro de caixas com grades. Sob a mínima desconfiança dos bombeiros de estar perto de resgatar mais um corpo, era requisitada a ajuda dos cães; os que estivessem mais agitados nesse momento eram destacados.
Resgate – Sempre em grupos de três, acompanhados de seus instrutores, os animais percorriam o local por vinte minutos e, depois, descansavam por, pelo menos, 40 minutos. O tempo é importante para não comprometer a acuidade do faro do cachorro – se o limite for ultrapassado, eles começam a se confundir com os muitos cheiros presentes no ambiente.
Latidos e agitação são os sinais emitidos pelos cães farejadores quando detectam a presença de uma vítima. É quando um segundo cão é levado ao mesmo ponto: se tiver a mesma reação, os bombeiros começam as escavações. Como recompensa, Jade, Cacau e os demais cachorros de salvamento recebem carinho de seus treinadores e seu brinquedo preferido, no caso da veterana Jade, uma bolinha laranja que imita os movimento de um pombo. “Isso aguça o instinto de caça dela por pular de forma aleatória”, diz o cabo do Corpo de Bombeiros Laércio Lelis, treinador de Jade.
Nesta quinta-feira, Jade e Cacau estavam prontas para percorrer mais uma vez os escombros para, em vez de buscar corpos como nos dias anteriores, excluir partes do terreno onde não havia mais vítimas, quando o décimo e último operário foi tirado sem vida.
Missão cumprida em São Mateus, Cacau e Jade confraternizaram com os colegas de corporação no local da tragédia, apesar das insistentes provocações de alguns cães de rua que latiam contra suas presenças; um deles chegou a avançar contra Jade que se esquivou da mordida. “Ela é forte e sabe se defender sozinha”, disse seu treinador, o cabo do Corpo de Bombeiros Laércio Lelis.
Estadão