Líder rural é assassinado em MT após denunciar esquema para privilegiar ‘poderosos’ com terras
Em meados da década de 70, quando começou a grande corrida para transformar o Oeste brasileiro em ‘terra das oportunidades’ e dos grandes negócios, Mato Grosso ganhou notabilidade às avessas. O palmo de chão era disputado ao extremo, com muita violência. O latifúndio passou a ser atacado por colonos e lavradores em busca de um pedaço de chão para produzir e também pelos grileiros profissionais. A força e a brutalidade que prevaleciam na disputa colocaram o Estado no cenário mundial como a terra onde se imperava a “lei do 38” – uma referência a arma de fogo que matou muita gente.
Passados os anos, a situação parece não ter mudado muito. No Distrito de Guariba, município de Colniza, no extremo Norte do Estado, foi assassinado com vários disparos de arma de fogo calibre 9mm – de uso exclusivo das Forças Armadas, Josias Paulino de Castro, presidente de uma associação de produtores rurais do Projeto Filinto Müller. Não morreu só. Mataram também a sua esposa, Ireni da Silva Castro, 35. Os dois corpos foram encontrados na entrada da ‘Linha Boca da Mata’, uma estrada que serve aos agricultores da região.
“Não podemos afirmar quantos disparos de arma de fogo atingiram as vítimas, mais foram vários. A Polícia ainda não tem informações a respeito de quem tenha assassinado o casal, mas irá investigar o caso” – prometeu o delegado Marco Bortolotto Remuzzi.
As evidências, no entanto, apontam para mais um crime na luta pela posse da terra. A entidade que Josias Paulino presidia, a Associação dos Produtores Rurais de Nova União, lutava pela legalização das terras do ‘Projeto Filinto Müller’. Com ele, ele acabou virando alvo dos que queriam extrair ilegalmente as madeiras, inclusive políticos da região e até dirigentes de órgãos públicos no Estado. Josias chegou a levar o caso ao conhecimento da Polícia Militar.
No último dia 5, uma reunião no Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), terminou com uma série de denúncias e acusações. O encontro contou com a presença do Ouvidor Agrário Nacional, desembargador Gercino José da Silva. Josias, na ocasião, fez duras críticas e acusou a direção do Intermat de estar agindo em favor dos grileiros e madeireiros. Ele falou, inclusive, de emissões irregulares de títulos definitivos das terras do projeto, emitidos em nome de fazendeiros e empresários da região.
“Não posso sair daqui e deixar meu povo nas mãos destes mercenários. A justiça tem que ser feita nem que eu pague com a própria vida” – afirmou Josias antes de morrer.
Por várias vezes, Josias revelou a existência de ‘pistoleiros’ na região e afirmou ainda, que nunca foram tomadas providências. “Estamos morrendo. Somos ameaçados, o Governo de Mato Grosso é conivente, a PM de Guariba protege eles, o Governo Federal é omisso. Será que eu vou ter que ser assassinado para que vocês acreditem e tomem providências” – disse. Josias morreu e a mulher também.
Na região onde Josias atuava, o medo impera. O fato de as armas usadas no crime preocupam os agricultores, que se sentem ameaçados. Foram disparadas vários tiros de calibre 9 mm, de uso exclusivo das Forças Armadas. “Uma senhora inocente que apenas estava com seu marido, também foi executada. As autoridades tem que proteger as outras famílias do Assentamento que perderam seu Presidente e agora estão desesperadas sem uma resposta” – dizem agricultores, temerosos da sorte daqui para frente.
Uma outra grande polêmica que envolve a luta da entidade que Josias presidia diz respeito a um eventual caso de desvio de dinheiro público. Ainda no Governo de Blairo Maggi, hoje senador da República, foi assinado um convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA), de cerca de R$ 4 milhões para regularização fundiária das glebas Aripuanã e Vale dos Sonhos nos municípios de Aripuanã e Distrito de Guariba em Colniza.
A assinatura de convênio foi realizada no gabinete do governador, no Palácio Paiaguás, e prometia solução para a insegurança que tomou conta da região. Mas, segundo os moradores das glebas, esses recursos nunca chegaram na região. “Há uma falsa reforma agrária na região” – dizia Josias
Na região, moradores das glebas vivem sofrendo constantes ameaças de madeireiros, fazendeiros e de outros poderosos que tem interesse nas terras, ou seja, não propriamente nas terras, mas sim na grande quantidade de madeiras nobres que tem no local. A falta de segurança é enorme. O efetivo da Polícia Militar de Guariba conta com apenas quatro policias e o único veículo no local é uma motocicleta para patrulhar uma área enorme que faz fronteiras com os Estados de Rondônia e Amazonas.
Pantanal Online