Tribunal condena juiz de Sinop à prisão e perda do cargo
Paulo Martini teria exigido trator e R$ 7 mil em troca de decisões liminares.
O juiz Paulo Martini, da 1ª Vara de Sinop (477 km de Cuiabá), foi condenado pelo Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) à perda do cargo pela prática de corrupção passiva. Além da perda do cargo, ele foi condenado a dois anos, sete meses e 15 dias de prisão, substituída por duas restritivas de direito, como prestação de serviços à comunidade.
A decisão, por 120 votos a 5, foi proferida na tarde desta quinta-feira (25).
Paulo Martini é acusado pelo Ministério Público Estadual (MPE) de ter pedido um trator agrícola e R$ 7 mil em dinheiro ao advogado Celso Souza, em 2004, em troca de decisões favoráveis em processos defendidos pelo profissional.
Também foi aplicado ao magistrado 100 dias-multa, cada dia-multa correspondente a um salário mínimo na época dos fatos, resultando em R$ 26 mil.
Como foi condenado em ação penal, Paulo Martini não terá direito à aposentadoria compulsória por tempo de serviço.
Votaram pela condenação a relatora do caso, desembargadora Maria Aparecida Ribeiro, e os desembargadores Sebastião de Farias, Gilberto Giraldelli, Nilza Maria Pôssas de Carvalho, José Zuquim, Guiomar Teodoro, Luiz Ferreira, Alberto Ferreira, Maria Erotides Kneip, Luiz Carlos da Costa, Serly Marcondes, Paulo da Cunha, Rubens de Oliveira, Juvenal Pereira, Márcio Vidal, Clarice Claudino, João Ferreira, Cleuci Terezinha Chagas, Maria Helena Póvoas, Marilsen Addario.
Já a absolvição foi defendida pelos desembargadores Sebastião de Moraes, Pedro Sakamoto, Dirceu dos Santos, Rondon Bassil e Carlos Alberto Alves da Rocha.
Cabe recurso da decisão. Todavia, ainda que a condenação possa ser revertida, o Pleno decidiu pelo afastamento imedidato do magistrado.
A acusação
De acordo com a denúncia do MPE, o crime teria ocorrido em janeiro de 2004, ocasião em que o advogado Celso Souza foi ao gabinete do juiz, acompanhado de um colega, para falar sobre um pedido liminar (provisório) de seus clientes, relativo a um mandado de busca e apreensão de maquinários agrícolas.
Após os advogados saírem da sala, o juiz teria ido ao corredor e pedido que Celso Souza – sozinho – retornasse ao gabinete.
O advogado teria voltado à sala e, segundo a denúncia, o juiz solicitou um trator avaliado em R$ 30 mil para conceder a liminar favorável aos clientes de Celso Souza, pedido que teria sido negado pelo advogado.
Ainda assim, o juiz supostamente disse que daria a decisão favorável, o que acabou por ocorrer dias depois.
Na mesma época, Paulo Martini também teria ligado ao celular do advogado e solicitado que o mesmo fosse ao gabinete para discutir outro processo, tendo, em tese, oferecido decisão favorável em troca de R$ 7 mil.
Com as negativas por parte do advogado, de acordo com o MPE, o juiz passou a ligar para Celso Souza, que não atendeu Paulo Martini. Após, o juiz teria chegado a cobrar o advogado no Fórum, dando a entender que poderia rever a decisão liminar caso o mesmo não entregasse o trator em sua fazenda.
O MPE relatou que a quebra do sigilo telefônico comprovou as ligações feitas do celular do juiz ao celular do advogado.
O órgão ainda refutou a tese do juiz de que um assessor teria usado o celular para ligar para o advogado, no intuito de adiantar uma audiência.
“Porque não foi produzida uma prova muito fácil de ser obtida, de que os tribunais fixos do fórum de Sinop não faziam ligações interurbanas ou para celulares? Bastaria uma mera certidão do fórum da comarca de Sinop. O processo tem anos de tramitação, vários volumes, e não há essa certidão”, alegou o MPE.
“Se fosse verdadeira essa premissa, por certo o magistrado e sua defesa iriam apontar varias outras ligações telefônicas para celulares de outros causídicos que trabalhavam naquela comarca. Teriam, no mínimo, arrolado outros magistrados que judicassem na comarca de Sinop para comprovar que os telefones não fariam esse tipo de ligação”, acusou. Além disso, os fatos teriam sido comprovados por testemunhas e advogados.
Juiz negou
Em interrogatório, o juiz Paulo Martini atribuiu a acusação a uma perseguição de advogados que atuam na comarca.
“Ele inventou essa história toda para denegrir a minha imagem. Isso nunca existiu. Quem fez a ligação foi a minha assessoria, que usou meu celular”, defendeu.“Esse advogado tem raiva de mim porque não pagava ninguém na comarca. Ele tem vários processos de execução e não paga”.
“Eu acredito que foi feito um acordo e criado uma situação para denegrir a minha imagem. Para me derrubar, me tirar da comarca […] Ganho bem, tenho salário bom, não preciso dessa porcaria de trator. Eu tenho arrendamento de terra, mas não fazenda”, disse Paulo Martini.
Julgamento polêmico
O caso foi debatido durante três sessões de julgamento, que se iniciaram em novembro do ano passado.
A relatora Maria Aparecida Ribeiro entendeu que os elementos trazidos na ação confirmam a “solicitação de vantagem indevida” por parte de Paulo Martini. “A versão apresentada na fase inquisitorial corrobora as demais provas apresentadas em juízo sobre a autoria e a materialidade da conduta do réu”, disse. Segundo Maria Aparecida, a comprovação das ligações, a confirmação das testemunhas e a falta de provas de que o Fórum de Sinop não realizava chamadas a telefones celulares evidenciam o suposto crime praticado pelo juiz.
“Não conseguiu comprovar o acusado de que o ramal do Fórum de Sinop não poderia fazer ligações ao celular do advogado. De modo que o réu tinha consciência da ilicitude quando solicitou vantagem indevida na forma de um trator e R$ 7 mil para deferir decisão liminar”, votou.
O desembargador Luiz Carlos da Costa, que também votou pela perda do cargo ao juiz, leu trechos do interrogatório de Paulo Martini, em que o juiz afirmou que, mesmo se condenado, o crime atribuído a ele supostamente já teria prescrito.
“Magistrado que se diz inocentado, injuriado, caluniado, tem como maior preocupação não lavar a sua honra, mas livrar-se da condenação pela prescrição? Indago: quem perseguiu o magistrado nesse tribunal? Qual foi a desembargadora ou desembargador que o perseguiu tanto? Após eu ter assumido nesse tribunal, eu não constatei qualquer perseguição”, criticou.
O entendimento foi seguido pelo desembargador Juvenal Pereira, que evidenciou, em uma escala de 0 a 10, que a autoria e materialidade do crime pelo juiz alcançam a nota máxima da escala.
“Há visível autoria, materialidade e culpabilidade provadas. O magistrado retalhou a toga e provocou úlcera ao Judiciário mato-grossense”, afirmou.
Absolvição foi vencida
Por outro lado, o desembargador Sebastião de Moraes teve entendimento contrário e se manifestou pela absolvição do juiz de Sinop.
Segundo Moraes, para haver a condenação deve existir uma prova “clara, precisa, e que traga o selo imbatível da verdade, situação não ostentada pelo Ministério Público”.
O magistrado citou depoimentos de diversas testemunhas e concluiu que o advogado denunciante e a testemunha de acusação tinham problemas pessoais com o juiz.
Moraes ainda leu trechos de depoimentos de testemunhas que disseram ter sido convidados para integrar um grupo que tinha como finalidade afastar o juiz da comarca.
“Não existe prova de pagamento em dinheiro ou solicitação. Não existe prova de que ele tenha recebido vantagem para impulsionar qualquer processo. Não se pode condenar por ouvir dizer algo”, votou Sebastião, sendo acompanhado pelo desembargador Pedro Sakamoto.
A mesma conclusão foi tomada pelo desembargador Dirceu dos Santos, uma vez que Paulo Martini havia sido inocentado em Processo Administrativo Disciplinar que tratou do mesmo tema.
“A prova é frágil. Agora qualquer um entra no gabinete e fala que fizemos isso ou aquilo. Se formos dar valor a uma prova nesse nível, fica complicado. Basta que alguém diga algo que vira verdade? Não há nada que corrobore isso. E o inimigo número 1 dele é a principal testemunha da ação”, sustentou.
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