TCs: fortes e independentes
A decisão inédita de recomendar a reprovação de contas do Governo Federal fez com que o Tribunal de Contas da União ganhasse um protagonismo igualmente inédito.
A fim de minorar o estrago oriundo da decisão unânime dos ministros, a fala do Governo foi usada para redimensionar a importância do TCU, classificado oficialmente como “um mero órgão acessório do legislativo”.
Lamentavelmente, o petismo não só caçoa com a inteligência nacional, oscilando entre posições contraditórias sobre a importância dos tribunais de contas, como enseja uma discussão em duas etapas: 1) quem se lembra da tese da extinção dos tribunais de contas? 2) há algo de errado na estrutura constitucional dos tribunais de contas?
Após o exemplar trabalho do TCU em reprovar as pedaladas fiscais e os gastos executivos não autorizados, parece estar completamente superada a ideia da extinção dos tribunais de contas.
Dá-se uma guinada nessa percepção equivocada: não só deverão ser mantidos, como devem caminhar para aumentar o próprio grau de independência.
Entendo que, por independência, devemos cogitar dois caminhos – de um lado, a desafetação de indicações políticas, filtrando-as com critérios essencialmente técnicos e, de outro, proclamando a independência constitucional do próprio poder legislativo.
A “mera função consultiva” deveria ser substituída por uma substancial “função decisória”, isto é, o poder de fazer valer as próprias decisões de mérito quanto as contas analisadas sem a necessidade de convalidação por parte de nenhum outro poder/instituição.
Qual a lógica do envio do parecer pela reprovação de contas se, politicamente, governos manobram os respectivos legislativos, distribuindo cargos em troca da afronta ao trabalho técnico dos tribunais de contas?
De que adianta auditorias, análises, defesa, parecer ministerial e voto de mérito, se o legislativo não é jungido a observar nada disso?
Como a topologia constitucional dos tribunais de contas localiza-se no poder legislativo, nada poderemos esperar de concreto diante de um parlamento historicamente enfraquecido pela costumeira barganha.
Aliás, no Brasil, não se experimentam governos com bancadas minoritárias em qualquer das esferas: municipal, estadual e federal.
A simbiose Executivo/Legislativo atinge o esforço pela independência dos tribunais de contas, seja pela indicação essencialmente política, seja pela não vinculação das decisões emanadas pelo corpo altamente qualificado.
Evidentemente que a evolução constitucional dos tribunais de contas deve obedecer uma regra: primeiro, extinguir o critério político de acesso aos cargos de conselheiros e ministros para, em seguida, de posse de condições objetivas de imparcialidade, prover meios para a independência constitucional com o poder legislativo que já tem comissões suficientes para analisar contas, políticas públicas, a gestão financeira, enfim, o conjunto de fundamentos que podem ser fiscalizados de forma direta pelos parlamentares.
Se o TCU tivesse força cogente na votação unânime de reprovação de contas decorrente da imensa irresponsabilidade petista, poderíamos ter resolvido o problema político nacional, ao largo do leilão de cargos, emendas, espaço político, mercadejado no Congresso Nacional.
Cada vez mais, fica óbvia a importância dos tribunais de contas, se colmatados com independência.
O jogo político ficará distante dos julgadores, detidos na missão de prevenir a má-aplicação de verbas públicas e, nos extremos, penalizar o gestor irresponsável com inelegibilidade, afastamento temporário do cargo e, até mesmo, perdimento do mandato. Estamos falando de poder, muito poder.
Acredito que os tribunais de contas devem ser fortalecidos, na medida em que forem se tornando instituições imunes da influência política, onde o trabalho dos auditores não seja simplesmente ignorado, nem internamente pelos conselheiros/ministros, muito menos por parlamentares que, na maioria, não tem qualquer formação técnica para defrontarem-se com as análises dos tribunais de contas.